O que é história?
O
que é história?
Luciana
Dias
No
início do século XX, o historiador francês Marc Bloch definiu a História como
“a ciência dos homens no tempo”. Bloch estava refutando a definição de História
mais aceita na época, que associava a disciplina à tarefa de colecionar fatos
do passado. Desde o século XIX, os historiadores entendiam a História como uma
espécie de repositório de fatos passados, como se os fatos falassem por si
mesmos e como se a disciplina tratasse apenas dos acontecimentos passados.
Assim,
Marc Bloch trouxe algumas ideias novas sobre o estudo da História. A primeira
delas é a de que a História é uma ciência, ou seja, ela não é um relato
ficcional, mas sim fruto de uma extensa pesquisa em que as fontes são exaustiva
e permanentemente investigadas, comparadas, testadas, submetidas a teorias e
métodos, como ocorre com toda ciência. Foi muito importante nessa época afirmar
que a História é uma ciência não só para diferenciá-la dos relatos memoriais e
imaginativos, mas também porque muitos cientistas acreditavam que não era
possível fazer ciência tendo por objeto as sociedades humanas, já que
sociedades humanas são mutáveis, estão em permanente transformação e, portanto,
não podem ser testadas e experimentadas em laboratório. Porém, considerar a
ciência apenas como algo que ocorre dentro de um laboratório é ter uma visão
pobre do processo científico. Sociedades humanas não podem ser testadas, mas
podem ser analisadas sob critérios e métodos com rigor científico. Levamos
algum tempo para entender que a ciência é muito mais sobre um determinado olhar
sobre a realidade do que sobre máquinas, tecnologias e números. Ou seja, a
ciência depende muito mais do sujeito do conhecimento – aquele que investiga –
do que de seu objeto – aquilo que é investigado. A ciência é um olhar sobre a
realidade com rigor, método, comparação, objetividade e racionalidade.
Acontece
que, até a época de Marc Bloch, os historiadores acreditavam no contrário: que
a ciência dependia mais do objeto e menos do sujeito. Os positivistas do século
XIX chegaram mesmo a achar que a ciência era só sobre o objeto. Caberia ao
cientista criar as condições para que o objeto se revelasse, como se ele
existisse esperando ser revelado. Assim surgiu o mito da imparcialidade do
cientista, um mito, pois o cientista sempre terá que se colocar nos seus
projetos, terá uma instituição que o financia, terá que estabelecer
prioridades, etc. Pensemos, por exemplo, em todo o aparato político que
envolveu as experiências para desenvolver a bomba atômica, ou os lucros de
milhões de dólares que norteiam os laboratórios farmacêuticos na busca pela
cura de doenças ou para afastar pesticidas das lavouras. Pensemos também que
durante séculos os trabalhos históricos foram realizados por homens ricos e
brancos e que, portanto, os fatos históricos tinham muito mais a ver com homens
ricos e brancos do que com mulheres, negros, indígenas... O que devemos buscar
na ciência não é a imparcialidade, mas a pluralidade de visões, desde que,
obviamente, tenham racionalidade, coerência lógica e ética. Afirmar que a Terra
é plana, por exemplo, carece de logicidade. Apregoar teorias nazistas carece de
ética.
Outra
novidade que Bloch trouxe para a História é a ideia de que a História trata do
tempo como um todo e não somente do passado. Essa ideia ainda sofre muita resistência
em alguns departamentos de pesquisa histórica. Mas o fato é que passado,
presente e futuro são dimensões temporais muito relativas. Quando começa o
presente e termina o passado? É certo que a Revolução Francesa é um fato do
passado, mas o governo Trump também não é? Quais os critérios temporais,
portanto, que definem que um acontecimento seja estudado pela História e outro
pela Sociologia? Além do mais, as dimensões temporais também são subjetivas e
percebidas pelos diversos povos históricos de modo diferente. A percepção de
futuro, por exemplo, varia muito de sociedade para sociedade. Algumas
sociedades vivem sem esperança, como ocorreu com os romanos do fim do Império;
outras, como aquelas do pós-Segunda Guerra, que, até a década de 1990, apostaram
tudo no futuro, no progresso. As diversas percepções do tempo também são objeto
da História.
Hoje,
a grande maioria dos historiadores define a História como uma ciência que
estuda as sociedades humanas no decorrer do tempo, com suas mudanças e
permanências, entendendo também que os agentes históricos são plurais. Por
isso, temos, no presente, uma multiplicidade de visões: a história das
mulheres, dos negros, dos povos indígenas, dos operários, dos homossexuais, das
vítimas do Holocausto, etc... É este mosaico das diversas visões da História
que faz dela não uma História única, mas um campo em disputa. E que assim seja!
Um ótimo complemento para a aula de história, muito bom.
ResponderExcluirComentando só agora porque quero marcar presença no blog, é mó triste ver os posts sem comentários.
Valeu!
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