O tempo histórico

 

O tempo histórico

Luciana Dias

 

“Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei.”

(Santo Agostinho. Confissões)

 

O que é o tempo? Essa pergunta tem intrigado o ser humano desde tempos imemoriais. De divindade (como Cronos, da mitologia grega) a grandeza física de ordem de ocorrência dos fenômenos, o tempo tem tido vários significados, inclusive o que Santo Agostinho nos legou: o de intraduzível.

Temos o tempo da natureza, o tempo cronológico, o tempo mítico... O tempo da natureza relaciona-se ao tempo de rotação e translação dos astros, à passagem do dia e da noite, das estações do ano. O tempo cronológico se caracteriza pelas divisões feitas pelas diversas culturas em horas, minutos, dias, meses, anos. O tempo mítico é aquele narrado nas lendas de criação, normalmente associados a divindades e acontecimentos primordiais onde todas as coisas são criadas.

Mas, para a História, o tempo tem outra definição; ele é a duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro. O tempo histórico é, portanto, aquele que acompanha essa duração e o ritmo das transformações sociais: umas mais rápidas, outras mais lentas.

Por exemplo, entre 1539 e 1542, chegaram à Capitania de Pernambuco, os primeiros carregamentos de africanos escravizados no nosso país. Esta sequência de acontecimentos mudou a forma como o trabalho era realizado no Brasil colônia. Pessoas estrangeiras, vindas de lugares distantes, arrancadas de sua terra e de sua cultura, separadas de suas famílias, tiveram sua liberdade suprimida e foram forçadas a trabalhar duramente. A escravidão africana durou por mais de três séculos! Acontecimentos como esses são observados, registrados e narrados pelos historiadores e o tempo em que eles surgem, sua duração e seu fim caracterizam o tempo histórico. A escravidão africana acabou, mas o racismo que dela adveio – a ideia errônea e desumana de que pessoas negras são inferiores e incapazes – permanece até hoje na nossa sociedade.  

 As sociedades humanas têm medido o tempo de diversas formas ao longo da história, através de relógios, calendários, eventos, festejos e comemorações, observação do dia e da noite, das estações do ano e da posição das estrelas.

Os primeiros humanos já registravam a passagem do tempo: a passagem do dia e da noite, das estações do ano, a migração das aves, as fases da lua, as crianças cresciam e os velhos morriam. Para registrar essas mudanças e prever a melhor ocasião para pescar, caçar e plantar, os homens criaram o calendário. Ao longo da história, temos a criação de diversos calendários. Os judeus, por exemplo, criaram um calendário 3.761 anos antes do nascimento de Cristo, diferente de nós, que usamos o calendário gregoriano, aquele que começa a contagem a partir do nascimento de Jesus Cristo. Assim, se nós estamos no ano 2022 depois de Cristo, os judeus comemoram o ano 5.783 (3.761 + 2022).

É importante destacar que essas contagens são criadas pelo homem. Daí que alguns povos contem de um jeito e outros de outro jeito. Não existe contagem certa e contagem errada. O que existe são diferentes visões. Em nosso calendário gregoriano, criado no século XV, mas usado até hoje, predomina uma visão cristã do tempo, cujo marco fundamental é o nascimento de Cristo. Por isso, todos os acontecimentos que surgiram a partir do nascimento de Cristo chamamos de “depois de Cristo”; aqueles que ocorram antes, chamamos “antes de Cristo”.

Assim como os calendários são contagens artificiais, são também as definições dos períodos históricos, o que significa que eles podem sofrer alterações. O período denominado Pré-História, por exemplo, hoje, já é chamado por muitos historiadores de “Período do Povos sem Escrita”. O nome “Pré-História” surgiu num momento em que se acreditava que a História só pudesse ser contada com base em documentos escritos (século XIX). Daí darem tanta importância à escrita. Mas isso não significa que os povos que não desenvolveram escrita não tivessem história. Por isso, “Pré-História” não é uma denominação correta, além de bastante preconceituosa com os povos do período. O termo “Idade Média” também é preconceituoso. Ele parte do princípio de que houve dois grandes períodos na história da humanidade – a Antiguidade e a Modernidade – e que o período entre esses dois não teria sido tão profícuo quanto os demais. A Idade Média foi durante muito tempo associada a um período onde pouco se produziu, pouco se criou, a “Idade das Trevas”. Mas isso não é verdade. Com o tempo, à medida que os historiadores refletem e aperfeiçoam a narrativa da história, teremos denominações mais apropriadas e justas.



Comentários

  1. Mais um ótimo complemento da aula, até reli o texto novamente por causa da aula de hoje, continue assim professora!


    É sério não para não professora estou adorando seus posts no blog.



    ResponderExcluir
  2. Se tem um aluno aproveitando, o blog já cumpriu seu objetivo. Obrigada!

    ResponderExcluir
  3. Bem explicativo e resumido,parabéns professora👍🏻

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O Renascimento